segunda-feira, 24 de maio de 2010

Começar o dia

No Centro de Artes onde trabalho temos dois estúdios grandes e arejados e ainda uma black box.
Na Associação de Saúde Mental onde anda o Armando, eles têm um sótão pequeno e abafado. No Verão querem continuar a fazer as suas aulas de relaxamento e dramaturgia, então pedem um dos estúdios emprestados ao Centro.
Habituei-me a abri-lhes a porta e a recebê-los. A indicar-lhes o caminho, a auxiliá-los a subir as escadas, a ajudá-los. Fixei-lhes as caras.
Às vezes vejo alguns deles na rua. Cumprimento-os, mas eles não me reconhecem. Nenhum. Nenhum à exepção do Armando.
O Armando frequenta de manhã o mesmo café que eu: a pastelaria Londres. Quando me vê ele senta-se mesmo sem perguntar se pode e eu não me importo. Ficamos os dois à conversa. O Armando vem todos os dias de longe para a escola (como ele lhe chama) e desabafa comigo. Fala-me das aulas de informática, dos tempos mortos que já percebi que são muitos, das aulas de teatro, de relaxamento, de artesanato.
Mas hoje, num registo um tanto ao quanto diferente, o Armando olhou para mim e disse-me "está bonita". E depois acrescentou "quer dizer, quer dizer...já tem namorado?" e eu, mentindo, acenava com a cabeça de cima para baixo como quem diz que sim. E de seguida perguntei-lhe "e tu Armando já tens namorada?" - "tenho, tenho, tenho", disse rematando depois com as sábias palavras "se não tivesse namorava consigo".

1 comentário:

Camolas disse...

Tenho loucas saudades dos tempos mortos, não precisamos de dispender energias para matá-los.
Poderia viver toda a minha vida só com tempos mortos, acompanhados de brancos frescos, guitarradas e ciganas.