sexta-feira, 23 de julho de 2010

porque...

porque ele é feito de excertos de livros, citações, dedicatórias, histórias de outrém contadas por outros, páginas dobradas, assinaladas, sublinhadas nos livros que trocámos e que nunca me devolveste, nos livros que te ofereci e me ofereceste, te me ofereceste.
porque ele é feito de confissões a medo, de transparências várias, de segredos e segredinhos, de mal-entendidos e porras, de algumas mentiras, de outros tantos (des)encontros, de alguns planos, almoços e jantares, de gestos simples, de preocupações partilhadas, de ameaças e de medos, de não ditos e interditos.
porque é o valor supremo da amizade que vêm ao de cima como o azeite na água, porque ainda assim guarda uma esperança de poder vir a ser outra coisa e isso está sempre lactente o que nos permite brincar e suspirar e transpirar e sonhar.
porque tenho medo de perder-te para outros ou para ninguém como naquela noite das mensagens, porque não sei porque insistes em mim, não percebo inglês, não vou a festivais, tenho sotaque alentejano, e sou feia, feiona qual Fiona, porque acreditas em tudo o que te digo mesmo quando te digo que não quero ser mãe.
porque vais de viagem para aqui, para ali e para acolá e, às vezes, me fazes relatórios tão bem escritinhos quase amorozinhos e me trazes prendas e me mandas encomendas.
porque o teu número de telefone era o 214181996 e eu o fixei porque foi em 96 que comecei a telefonar-te, porque tivemos aquela experiência cândida, pura, inocente em carnaxide e permanecíamos noites inteiras em silêncio e porque só vi a tua mãe uma vez e na penumbra e porque não sabia o que continha aquele quarto ao fundo à esquerda. por exemplo.
porque sim.
o nosso amor é do foro literário porque é ficção, coração.

nota: um dia ofereci-lhe um livro do António Lobo Antunes e escrevi-lhe assim "porque o nosso amor é do foro literário". agora parece que a namorada deu com ele e não gostou ou não percebeu e quis explicações. ele não soube justificar-se. é tonto, bastava inventar qualquer coisa. tipo: é literatura está nos livros, está impresso, está inscrito, não se pode apagar. simples não? qualquer uma entenderia. e pior, pior seria se eu escrevesse que o nosso amor é poesia. como é que ele se desenrascaria?

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