sexta-feira, 25 de junho de 2010

ensaio sobre a vesguice

Falta-me a visão de conjunto. Vejo o mundo parcialmente.
É que tenho úlceras nas córneas. Feridas. Lesões. Diz o folheto de um dos medicamentos que tal se deve ao facto de, entre outros, não produzir lágrima suficiente. Ainda bem, penso. Sou uma mulher feliz! Não choro que chegue. E posto isto pergunto-me: será que para sermos felizes devemos ver só o que nos interessa? Ou melhor, não ver senão o que está debaixo do nosso nariz ou olhos como se diz vulgarmente?
Pois! Porque olho para diante, para frente e...NADA! Manchas. Nebulosas. Borrões. Coisas distorcidas: silhuetas, figuras, formas, feições. E já me perguntaram: "estás bem? é que tens um ar tão sério". Pudera! Como não vejo também não oiço. Não sei explicar, mas sempre foi assim. Se estou num concerto e não vejo bem o vocalista oiço claro está, mas não entendo. É verdade! E isto só me faz lembrar quando, às vezes, para conseguir dar certas aulas tirava os óculos. Assim, não via, logo não ouvia e não entendia o que se passava lá atrás, logo também não me desconcentrava e tudo corria melhor.
Esta merda é complicada: úlceras nas córneas!
Úlceras!
Córneas!
Tento apagar o cigarro aqui, afinal era mais à frente. Tenciono subir o degrau acolá, afinal era mais aqui. Não alcanço nada: a sinalética, as direcções. Para atravessar uma estrada viro o pescoço todo. Ando mais devagar. Falo mais devagar. Tenho dores. Comichão. Incómodo.
E um penso também. Um penso. No olho esquerdo. Só posso tirá-lo à noite quando a luz se esconde.
Ai!
A falta de visão de conjunto e a vista parcial do mundo não é para qualquer um! Dá-me que pensar como é que há tantos que as escolhem como modo de vida!
É preciso ter córneas!
No mínimo.

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