quarta-feira, 19 de maio de 2010

Abençoados!

Vivia-se naquela zona uma azáfama grande. Costumo ir à do Sr. Maia tomar café, mas naquele dia custei a chegar ao balcão. Muitas senhoras bem postas atropelavam-se. Os cabelos muito arranjados, as unhas, os sapatos como novos, muitos fios, muitos colares, muitos brincos, muitos anéis. Uma verdadeira festa. As avós. Vi tantas avós com fato domingueiro, saia e casaco de ir à missa. Depois nas mãos dos homens muitos ramos de flores. Uma alegria contagiante nas pessoas, nos rostos contentes. Vieram de longe, de propósito levantaram-se cedo para assistir à bênção das pastas dos filhos, das filhas, dos sobrinhos, dos afilhados. E eles estavam todos lá também, claro. Com aquelas fardas feias (eu odeio fardas!). Todos e todas vestidos e vestidas de preto, com uma espécie de mantos cravados em emblemas.
E eu pensei…que me cheirava a Estado Novo, a salazarismo, a fascismo. Pensei que nada daquilo me fazia sentido. Pensei que se tratava de celebrar a tradição e que eu própria não sabia o que era a tradição. Pensei ainda que uma mera licenciatura não merecia tudo isto. Era só mais um passo na vida a seguir a outro passo da vida. Uma ordem natural das coisas.
Mas não. Não é ainda assim. Para muita gente não é ainda assim. A licenciatura dos filhos é a primeira e a única na família. Representa um patamar diferente no seu estatuto. Ou pelo menos ambiciona-se que assim seja. É uma vaidade. É o sonho dos pais tornado realidade. É um orgulho. Trinta e seis anos após o 25 de Abril que democratizou e bem o acesso ao ensino superior, tirar uma licenciatura ainda é uma festa. Pode ser que os filhos desses licenciados ou talvez os netos já o encarem como algo de natural e deixem de usar os anéis de curso nos dedos e os doutores e engenheiros como títulos antes dos nomes próprios.

Sem comentários: