Sempre soube que tinha um pai diferente. Diferente do pai dos outros meninos e meninas. Digamos que um pai com possibilidades educativas especias. Os pais dos outros meninos e meninas tinham trabalhos árduos e duros. O meu pai trabalhava num escritório com muitas folhas, lápis, canetas coloridas e deixava-nos escrever à máquina. Na casa dos outros meninos e meninas havia muitos cães de loiça e rendas e naperons e na casa do meu pai havia muitos livros e jornais e outros papéis e era tudo um pouco mais desarrumado, mas nós não tínhamos medo de nos mover entre as coisas. Se partíamos um copo um prato ou assim, ninguém ralhava connosco. Diziam "deixa estar, não faz mal, acontece". Na casa das minhas amigas e amigos, não. Havia castigos. Por estas e por outras eu sempre soube que tinha um pai com possibilidades educativas especiais.
Ele adormecia-nos a contar histórias e inventava-as na hora. Sei-o porque no dia seguinte pediamos-lhe aquela outra vez e já nada batia já certo. Porém, antes de irmos dormir e como só entrávamos ao meio-dia, víamos todas as séries do Hitchcook com ele. E depois tínhamos medo, mas como ele tinha uma espada para matar os maus, descansávamos em paz. Se nos queixávamos que tínhamos que ir para a capela do Patronato o meu pai dizia "mexam a boca e façam che che che, fazendo de conta que estão a rezar". E nós fazíamos. Ao sábado íamos com ele ao mercado e depois à cooperativa quando não havia ainda hipers em Beja. A paciência do homem! Realmente sempre soube que tinha um pai com possibilidades educativas especiais. Os pais dos meus amigos e amigas não iam às compras, só trabalhavam, almoçavam e jantavam em casa e depois saiam para ir beber copos com os amigos.
Antes disto tudo, era eu muito pequenina, um dia o meu pai quis levar-me à feira de Agosto ou de Maio, não me lembro. Vínhamos de Baleizão e nunca tíinha ido a uma feira e durante todo o caminho perguntei: "aquelas luzinhas são a feira?, aquelas luzinhas são a feira. Devia estar a ver as Neves ou Beja ao fundo, não sei. O caminho pareceu longuissimo.
O meu pai é que ia às reuniões da escola. Ele era o encarregado de educação. Os pais dos outros meninos não. Ele via os nossos trabalhos, os nossos desenhos, os nossos carimbos, as nossas fichas. Ele fazia connosco os trabalhos de casa. E uma vez fez comigo um trabalho sobre o 25 de Abril e outra sobre o Nélson Mandela. Com o primeiro ganhei um prémio: um disco (LP) dos Trigo Limpo. Que alegria e que desgosto! A gente chegava a casa a queixar-se que a professora dava reguadas nos meninos e ele dizia-nos para falarmos com a professora e queixarmo-nos que não gostávamos de ve-la a bater nos nossos amigos. Enfim, um pai com possibilidades educativas especiais, pois os pais dos outros meninos, pelo contrário, incitavam a professora a bater nos seus próprios filhos!!??.
Uma vez o meu pai fez com uma caixa de cartão e umas roldanazinhas uma televisão para nós, outra vez construi em esferovite uma casa miniatura com o meu irmão e outra vez ainda fizemos um jornalinho.
Quando ia trabalhar para fora levava-nos. Enquanto tinha as reuniões nós dormiamos nos sofás dos gabinetes dos presidentes de câmara ou, consoante a hora do dia, sáltavamos pelas janelas para dentro e para fora dos edifícios. Se não íamos era certo que nos trazia um presente: uma borrachinha para a colecção, um bloquinho, roupa da loja O Balão e dos Porfírios. Este homem com possibilidades educativas especiais deu-me a ler todos os neo-realistas, o livro da madame Curie, o diário de Anne Frank e tantos outros.
Quando a minha mãe não estava em casa organizava jantares pick-nick. Estendia uma toalha no chão da sala e ia buscar empadas ao Luís da Rocha e croquetes e rissóis à Cozinha. Se era preciso zangar-se, zangava-se, mas sabia fazer as pazes. Nunca deixou de falar a um filho como o faziam os pais dos outros meninos e meninas e também nunca nos deixou ir brincar para a rua sem um horário de ida e de volta como os pais e as mães dos outros meninos e meninas.
Eu sei e sempre soube que o meu pai tinha possibilidades educativas especiais: oferecia-me prendas no dia da criança, depois no dia da mulher e houve uns anos em que ficou confuso e os dava nas duas alturas. A primeira lingerie que tive foi ele que ma deu, assim como o primeiro perfume. Os pais das outras meninas não. Hoje ainda se preocupa se eu vou ao dermatologista e se ponho os cremes de dia e de noite, se ando bem de saúde e faço análises todos os anos, se vou ao dentista, ao oftalmologista e ao ginecologista. Os pais das outras meninas não.
Ele tinha o sonho de nos levar a Paris. E levou-nos. E um ano - desorientado com a vida - carregou connosco para o Norte do país. Temos fotografias e vídeos e nenhum de nós se esqueceu dessas aventuras. Em todos os caminhos ele tinha amigas que nós podíamos conhecer. Os pais das outras meninas não: escondiam-nas.
É o meu pai. Até hoje um homem com possibilidades educativas especiais.
Hoje é o dia dele porque é o dia de todos os pais do mundo e também porque ele está preocupado com a vida e anda adoentado e, portanto, precisa de mimo. Por isso lhe ofereço este texto e também porque não tenho para já dinheiro para lhe oferecer uma prenda.
Quando a minha mãe não estava em casa organizava jantares pick-nick. Estendia uma toalha no chão da sala e ia buscar empadas ao Luís da Rocha e croquetes e rissóis à Cozinha. Se era preciso zangar-se, zangava-se, mas sabia fazer as pazes. Nunca deixou de falar a um filho como o faziam os pais dos outros meninos e meninas e também nunca nos deixou ir brincar para a rua sem um horário de ida e de volta como os pais e as mães dos outros meninos e meninas.
Eu sei e sempre soube que o meu pai tinha possibilidades educativas especiais: oferecia-me prendas no dia da criança, depois no dia da mulher e houve uns anos em que ficou confuso e os dava nas duas alturas. A primeira lingerie que tive foi ele que ma deu, assim como o primeiro perfume. Os pais das outras meninas não. Hoje ainda se preocupa se eu vou ao dermatologista e se ponho os cremes de dia e de noite, se ando bem de saúde e faço análises todos os anos, se vou ao dentista, ao oftalmologista e ao ginecologista. Os pais das outras meninas não.
Ele tinha o sonho de nos levar a Paris. E levou-nos. E um ano - desorientado com a vida - carregou connosco para o Norte do país. Temos fotografias e vídeos e nenhum de nós se esqueceu dessas aventuras. Em todos os caminhos ele tinha amigas que nós podíamos conhecer. Os pais das outras meninas não: escondiam-nas.
É o meu pai. Até hoje um homem com possibilidades educativas especiais.
Hoje é o dia dele porque é o dia de todos os pais do mundo e também porque ele está preocupado com a vida e anda adoentado e, portanto, precisa de mimo. Por isso lhe ofereço este texto e também porque não tenho para já dinheiro para lhe oferecer uma prenda.
4 comentários:
Na minha opinião, o mais bonito texto que escreveste no blogue! E se me permites - e isto é de alguém que ainda hoje tem "medo" dele - um texto muito, muito justo!
Beijaria, como gostas de dizer!
Obrigado pela prenda minha filha. Este texto é lindo mas não creio que o mereça, nem na forma nem no conteudo: são seus olhos diria o outro e eu também o digo!Tentei sobretudo ser humano,honesto, democrata mas também firme com os meus filhos e o resultado esta aí em retorno 2 HOMENS E 2 MULHERES que me orgulham muito, muito mesmo,
além de que o texto me comoveu até às lagrimas. CONTINUA A ESCREVER...Filha
Muito lindo!Como queiria eu ter um pai amoroso e tão especial ...um pai tão carinho e amável.....bjsss
Muito lindo!Como queiria eu ter um pai amoroso e tão especial ...um pai tão carinho e amável.....bjsss
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