segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A queda do muro

A Rodica vai ter connosco sempre que precisamos. Limpa-nos a cozinha, aspira o escritório, tira o pó das secretárias e dos computadores, lava-nos os estúdios, muda-nos as camas, aspira a bancada, passa a mopa no linóleo. Estende-nos a roupa. Alerta-nos para os detergentes que é preciso comprar. A Rodica usa roupas de senhora. É uma senhora. Tem o cabelo sempre alinhado, as unhas arranjadas, os sobrolhos também. Tem madeixas. E malas a condizer com os sapatos. E sempre um fio de ouro e uns brincos. A Rodica tem uma filha: a Ana Maria. A Ana Maria anda já no segundo ciclo. E pede à mãe as coisas que os outros meninos e meninas pedem às mães. Uma Nintendo, um Magalhães, malas e afias e tesouras e canetas e blocos da Hello Kitty. A Ana Maria tem um nome português, mas não nasceu cá. Nasceu na Moldávia. A Rodica e a Ana Maria são moldavas. E o pai, um senhor que nunca vi mas que telefona insistentemente e que fala muito alto, é moldavo também. Estão os três em Portugal há cerca de dez anos. Ignoro os obstáculos que tiveram que ultrapassar para se estabelecerem por cá, mas calculo que tenham sido muitos. De vez em quando a Rodica muda de casa, de vez em quando pede-nos para enviar faxes que nos correios são muito caros, de vez em quando pede-nos para consultar a internet que não tem. E pede-nos também dinheiro emprestado. Que vai pagando com horas que há-de fazer. De vez em quando fica sem telemóvel porque lho cortam. E agora a Rodica está grávida de novo. Ela deve mesmo amar o homem que fala alto. Porque a grande aventura não é ter um filho mas antes ter o segundo. Ai sim. Aí é que o amor fala mais alto. A vida da Rodica não deve ser fácil. Ela faz-nos todos os favores de que precisamos por cinco euros à hora. Num dia inteiro farta-se de trabalhar e recebe quarenta euros. A seguir vai ao supermercado e eles gastam-se. Não parece, mas a Rodica tem a minha idade. E estudou. E é professora primária. E ao pé dela eu não sei nada de nada.
Nota: E ainda assim aposto que ela deve ter ficado feliz com a queda do muro.

4 comentários:

Anónimo disse...

O comentário q estou a fazer agora podia fazê-lo em qualquer dos post e serve para te dizer que acho que escreves bem. Humanizas o impossível e dás vida às pessoas, às coisas e aos lugares.É um prazer ler-te! Continua com todas as tuas forças a oferecer-nos estes textos deliciosos que falam das gentes, das pessoas, das amizades e dos infortunios, enfim da vida e tu sabes fazê-lo muito bem.A.A.

be(i)ja disse...

A.A.- Obrigada. Gosto que gostes de me ler. Ainda.

Anónimo disse...

...concordo na totalidade com o anónimo ai de cima...
...mas só é possível escreveres da forma como escreves, porque és uma pessoa maravilhosa...
Sabes que te adoro...
:-) :-)

Bêjos

be(i)ja disse...

Anónima - Obrigada, linda.