domingo, 1 de novembro de 2009

dia de todos os santos

não fui levar-lhe flores mas comprei-as para mim. não gosto de ir a casa de ninguém sem ser convidada, portanto...há muitos anos que não vou vê-las. nunca fui vê-las. desde que partiram que nunca fui vê-las. também não adiantava ir porque já não estão lá. na verdade não sei onde é que estão. as minhas mulheres foram-se embora todas quase no mesmo dia. adeus disseram ou nem isso e tive que me conformar. foi há uns anos atrás. não os conto. não quero saber. abalaram e agora desenrrasca-te. não sei o que herdei de uma ou o que herdei de outra. coisas boas talvez. dela a que morava na aldeia recordo-lhe as sopas e os ensopados, os caldos e os assados no forno de lenha. matava as galinhas, os borregos, os porcos, depenava as perdizes que os homens traziam da caça, as lebres e os coelhos e transformava tudo em lugar de mesa posta. não era crente mas sei que tinha os seus santos. quando ia votar vestia a sua melhor roupa. ou quando ia a Beja. na lareira fazia-nos torradas inclinadas num garfo e depois ofereci-as com planta. dela a que viva na cidade sei que tinha estudado na universidade. deu aulas. tinha um casaco de pele, perfume anais anais e batôn. fazia-nos arroz doce com desenhos e deixáva-nos brincar com os tachos lá de casa. inventava histórias que escrevia.
em comum tinham o facto de ser ambas minhas avós. de me darem abraços e festas e beijos e de terem a pela branca e os olhos azuis. de serem muito bonitas. hoje como quase sempre lembrei-me delas. abalaram e nem disseram adeus. ou porque não tiveram tempo ou porque estavam cansadas ou porque não queriam ainda partir. mas hoje não me convidaram para ir lá a casa. ou lá onde estão que é não sei onde. não sei se no céu se noutro lugar. talvez no meu coração estejam. sim. no meu coração estão. por isso não fui levar-lhes flores e comprei-as cá para casa.

6 comentários:

anademar disse...

muito bonito o texto, muito terno. um beijinho

be(i)ja disse...

Obrigada chéri

Anónimo disse...

Meu amor as pessoas que nós amamos nunca partem...nós podemos não as ver, mas...estão sempre connosco...fecha os olhos e vais ver que as vais ouvir,sentir o seu perfume...

Sabes quem fazia 91 anos dia 2 de Novembro?
Pois é amiga estará sempre cmg...
Como eu te entendo...no meu quarto está um lindo girasol...

Um bêjoooooooooooo cheio de saudade "magana"...

Anónimo disse...

PORRA!... que já me deixaste a chorar. Nesses dias, todos os anos, passo ao largo dos cemitérios, das flores, das recordações... e agora, por acidente, nas torradas do garfo, no arroz aos desenhos, nos olhos delas, aí nesse sitio que não existe encontro alegria e tristeza.
"A morte é uma puta" - diz o A. Lobo Antunes e digo eu. PORRA!

Mano Velho

be(i)ja disse...

Anónima - Tens razão.As pessoas que amamos estão sempre connosco. E sim, claro que sei a quem te referes: tive o prazer de a conhecer. Obrigada pelas tuas palavras em sintonia.

be(i)ja disse...

Mano - Também eu chorei à minha maneira. Já sabes! Como muitas vezes com lágrimas invisiveis aos olhos de outrém. E sim. A morte é mesmo uma PUTA.