domingo, 11 de julho de 2010

ensaio aberto

foi no estúdio lá de cima. no último andar. parede ao fundo rasgada por janelas. estores abertos a deixar entrar aquela luz quase dura, mas já não. no estrado de madeira com linóleo, mas pouco. tudo havia sido preparado durante duas semanas. sem que soubessemos de nada. nem da música. nem se havia música. nem do número de elementos que participavam nem quais. nem que roupas usariam ou sequer se as usariam. é, aliás, sempre assim. o dia dos ensaios abertos é o dia em que somos surpreendidos, abrimos a boca ainda que em silêncio e dizemos AH! o ah! de espanto, o ah! de surpresa, o ah! de conforto, o ah! de alegria interior.
naquele dia, sexta feira, segui com o olhar durante todo o tempo os intérpretes. brincaram com o espaço labirintico. tiraram proveito dele. usaram as esquinas, as vigas, as paredes e só muito raramente o estrado de madeira com linóleo. às vezes na dança contemporânea os corpos são demasiado formatados, os gestos secos, os ritmos rápidos. ali senti duas pessoas soltas, em absoluta sintonia apesar (ou talvez por isso mesmo) de nunca se tocarem. quando o faziam o gesto de um tinha reprecursões autênticas e imediatas no corpo do outro. havia retorno. muito entrosamento. muita comunicação. nos olhares. os olhares seguiam-se e afastavam-se sincronizadamente. eram fortes, muito fortes, fortissimos. as pernas mexiam-se ora repentina ora delicadamente. os braços erguiam-se e baixavam-se ora deslizando, ora chamando, ora empurrando. o dom dos espectáculos e da boa cultura é o de nos fazer imaginar coisas, ler coisas, partir dali para outros mundos. acredito porque aconteceu comigo que muitas mulheres tenham viajado com aqueles homens para umas camas quaisquer. pela perfomance, pelos corpos, pelo suor, pelo ritmo.
nessa tarde como muitas vezes no meu dia-a-dia lembrei-me do Luís Cruz. ele dizia-me que eu devia era fazer produção. lembro-me por isso e por saber que aqueles bailarinos faziam ora um ora outro o pequeno-almoço para ambos todas as manhãs quando eu chegava ao escritório e levavam-no lá ao estúdio para o que ainda se estava a espreguiçar. e lembrei-me dele também porque pensei que quando as pessoas se amam isso nota-se em tudo. até na dança. mas claro! como não? o que é o amor senão uma dança?

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