segunda-feira, 10 de agosto de 2009

INTERREGNO ou porque sou fodida com as datas

os olhares jamais se perdiam seguiam-se continuamente e esboçávamos sorrisos sem o mínimo pretexto as conversas nunca terminavam as músicas de que gostávamos eram as mesmas os livros que líamos ou queríamos ler também o desejo invadia-nos a cada instante e a cada instante o consumávamos passámos a gostar da pele um do outro dos traços um do outro dos contornos um do outro demos corpo à fusão e pensámos alienados ser um só telefonava-te só para te ouvir a voz ias buscar-me ao serviço dançávamos músicas pimba na piscina outras nas noites da nora outras no colchão do chão da sala e eu gostava em ti de tudo do teu cheiro macio das tuas sardas milenares do teu tom dourado dos teus músculos delineados da tua força e timidez das tuas ganas e cansaço do teu sono e dos abraços democráticos que só nós dois sabíamos dar estive apaixonada transfigurei-me e tu também ultrapassámos horários eternizámos o presente e vivemos uma contínua descoberta tínhamos fé entusiasmo esperança eras absolutamente tu particular único meu subvertemos lugares comuns e havia amigos que diziam que à nossa volta se criava uma bolha e eu lembrava-me daquela canção do tempo dos nossos pais que dizia assim les amoreus sont seuls au monde e era feliz

a seguir fomos consumidos pela impossibilidade começaram as hesitações os medos os receios de não ser capaz de dar o próximo passo a falta de iniciativa instalou-se apenas me esperavas quando ia ter contigo e fui muitas vezes ter contigo como se caminhasse quilómetros até chegar a ti não sei o que te deu o que nos deu pedias calma e tinhas projectos muitos projectos que não me incluíam deixei de nos ver no futuro estranhei a ambivalência encalhei nos obstáculos refilei tornei-me exigente queria mais queria-te como dantes presente disponível atento atencioso não quiseste assim não foste capaz não soubeste não sei os laços desfaziam-se a distância impunha-se o fosso aumentava e vi-me sozinha e renunciei a ti e várias vezes quebrei e várias vezes reincidi etudo isso durou um ano até ao dia que não houve mais retorno o dia irreversível o dia de hoje há um ano atrás

mas uma história não acaba no jardim do capitel embora possa lá começar e por isso eu perguntava-te como estavas e a tua família e a escola e os outros projectos e convidava-te para jantares comigo tomares cafés comigo evitava o vazio queria preservar algo de bom tinha saudades tuas e fui persistente na procura de um laço a unir-nos para sempre ainda que noutro registo e fui tão persistente que pedi desculpas por sê-lo e descansei em paz e desisti finalmente depois de o ter feito porque tu fugias-me respondias-me mal torto ao lado com aspereza com bruteza com arrogância não soubeste estimar o carinho que ainda nutria por ti e hoje não sobrou nada sequer de nós hoje és como um fruto que colhi verde vi amadurecer e agora está esquecido e vai apodrecendo

2 comentários:

Anónimo disse...

...bem grande texto...
Não sei que te diga...a não ser que tu és uma pessoal muito especial e de certeza que vais se muito feliz...
:-)
Bêjos grandes

Ben disse...

Anónimo disse, recordando: dia houve em que alguém algures me confessou, baixinho, pela calada da noite, à memória do telemóvel: - «não são essas as datas que a gente comemora».
Foi, curiosamente, a propósito de outro enterro...De quem também ainda não está totalmente entregue às entranhas da terra. O fruto, podre como está, estará ainda (proibido) no teu ventre?