quarta-feira, 27 de maio de 2009

nesta rua, nesta casa, n.º 25


pendurei as tuas camisas, as tuas toalhas, as tuas calças, a pouca roupa que restava lá por casa no estendal. tudo na nossa vida estava já suspenso por pequenas e frágeis "molas". haveria de dar-lhe o vento, uma e outra vez e ela havia de soltar-se e esvoaçar arrastada para bem longe dali. a vida e a roupa. acreditava na força do vento mais do que na minha para deixar abalar toda a nossa história que começara no dia em que muitos festejam a conquista da liberdade: a 25 de Abril. nesse dia nós vivemo-la numa casa num pinhal perto da praia que cheirava a salgado e também a mofo (lembras-te?) e ao mesmo tempo a quase verão embora chovesse e fizesse frio e eu tivesse o meu casaco de lã aos bonecos e tu o teu casaco preto, o mais quente de todos. os que aconteceram a seguir, os dias, encarregaram-se de mostrar-nos que foi possível reinventar o amor e, nesta rua, nesta casa, estive refém dele e de ti durante dois anos. para festejarmos o primeiro, quando ainda éramos felizes, bebemos vinho tinto e decorámos a casa com rosas em vez de cravos. já para fechar (e não para festejar) o segundo, pendurei finalmente as roupas na corda, verti lágrimas e pedi desculpas por querer-te tanto mas ao mesmo tempo ambicionar e lutar pela liberdade que a minha revolução ditava e a tua ditadura impunha. não tinhas já nada para me dar e eu não tinha de ti senão aquelas roupas que entreguei ao vento para que com ele levasse também os beijos, os abraços, as expectativas criadas, os sonhos, os ideais, os projectos por construir, os planos por erguer.

Sem comentários: